terça-feira, 12 de outubro de 2010

Os Mineiros de Atacama




  Abaixo do solo existe esperança. Abaixo do solo existe coragem. Setecentos metros abaixo de nós trinta e três heróis lutam pela vida. Vida que na superfície parece extinguir-se, suprimida, sufocada.
  Estes heróis serão arrebatados. Trazidos de volta para a luz. Mas cá entre nós, qual dos dois lados está verdadeiramente no escuro?
  O Atacama, assim como o resto do mundo, é frio e desértico. Inóspito como o coração humano. Da tragédia saltam os holofotes, a melhor imagem pode valer um prêmio. É a nova sociedade midiática. Desafie a morte e amanhã a sua história pode virar filme. De onde vem tanta ânsia por desgraças? Tudo é circo e nada tem graça. Olho para o lado e vejo uma mulher chorando. Será mãe ou esposa? Filha? Talvez. Quem se importa?
  Quem será o último a sair? Será que ele baterá algum recorde? Escrever o seu nome em um livro idiota como o último infeliz a sair de um buraco. Quanta honra, quanta mediocridade!
  E quando tudo isso acabar? Quem sabe um avião caia ou, talvez, um novo ataque terrorista aconteça. Estou de estômago embrulhado. Quero vomitar minha humanidade por que ela está podre em minhas entranhas. Estou soterrado em mim, como os mineiros de lá. Mas mesmo há setecentos metros abaixo ainda existe esperança. E quem sabe dentro de minha alma, mesmo que há setecentos metros abaixo a minha esperança também não procure emergir.
  Vale a pena acreditar.





quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Devaneios




 Como é difícil ser dono de si! Ter que governar-se em meio a um mundo sem governos. E assim, vou criando as minhas próprias leis, minhas normas ditatoriais, caprichos tolos de um monarca governante de um só súdito. Meu palácio é tão estreito que por vezes vaga perambulante dentro da minha caixa craniana. Sento em meu trono moldado em lembranças e sinto-me feliz, pois, ali desfruto do meu verdadeiro tesouro. Meu reino não é externo, nem extenso. Tudo isso só é real dentro dos limites do irreal.
 A coroa me pesa sobre a cabeça. Quero tirá-la, jogá-la ao longe, mas não posso, pois, ainda tenho que conduzir o meu exercito de um homem só.
 O rei está nu. Sente-se acuado pelos inimigos que o invadem por todos os lados. Seu único súdito também é o seu único amigo. São as mesmas pessoas, tem os mesmos sonhos e, ainda assim, permanecem bifurcados por um id que os transmuta entre médico e monstro.
 O rei decreta: “É proibido sofrer.”
 O súdito obediente suprimiu-se até que sua alma abandona seu corpo. Alma precisa sentir. Isto é a alma da alma, sem sentimentos ela perde o propósito e vira sombra que não se vê.
 Quantas vezes exilaram-me! E estando fora de mim passei a procurar pela liberdade em outros domínios tão mais distantes do meu. Tudo fora em vão, pois, só pode sentir-se livre aquele que não se distancia da liberdade que já tem.
 Quanta fome já senti! Fala agora o subalterno que reside ainda em mim. Em quantas portas já bati em meu interior do meu interior a procura de um conhecido que, de certo modo, nem sabia se ainda existia.
 Quantas vezes já fui rei, quantas vezes artesão!
 Em quantos acertos errei. E em quantos erros então?
 Mas sei que valeu a pena. Sempre valerá!
 Rei ou plebeu, viver é sempre melhor que tudo.
 Vida é riqueza que todos têm, mas que poucos sabem cuidar.
 Não temo a sorte adiante, pois, o que vem ainda não há.
 Sigo sem olhar para trás.
 O que passou não mais passará.