João de Deus era o homem mais bem quisto de toda a sua cidade. Dono de uma bondade incomum fora chamado de santo inúmeras vezes ao longo de sua vida. Alguns inclusive chegavam a atribuir a ele a autoria de certos feitos inexplicáveis que vez ou outra aconteciam por lá e, que por não terem explicações lógicas, logo se revertiam em verdadeiros milagres. Mas João de Deus sempre preferia não recolher os louros de sua popular e precoce canonização e se defendia dizendo com uma genuína simplicidade:
_ Eta gente iludida sô! Que santo que nada povo. Se santo eu fosse "tava" lá no céu de Deus morando com os anjinhos bem perto do Sol.
O que João de Deus não compreendia era que o povo sempre necessita de um milagre tanto quanto precisa de água, e não importa o santo milagreiro, seja ele carnal, espiritual ou até mesmo de matérias menos nobres como o barro ou argila. Já o que o povo não entendia era que o único milagre que João de Deus sabia realizar e, por isso realizava todos os dias, era o de amar sem trocas ou preconceitos. Acredite amigo leitor não importa quem você seja, João de Deus ama você.
Mas João de Deus tinha outro milagre, e este realmente se chamava Milagre. Um cachorrinho vira-latas de olhos vivos que sempre cercava seu dono onde quer que este estivesse. Seu nome era Milagre porque fora um presente dado por um amigo curado de uma terrível doença. Mais um "milagre de João de Deus - O Santo do Povo”, como ficou conhecido. Geralmente recusava todos os presentes a ele oferecidos, não queria transformar a sua casa em um santuário de enganações. Mas Milagre, este ele não poderia recusar.
A amizade compartilhada entre os dois não se baseava em superioridades ou hierarquias, portanto, o que se via não era o domínio do criador sobre a criatura, mas o respeito mutuamente vivenciado de uma vida por outra.
Fico imaginando o quão bom será quando o ser humano aprender a viver em harmonia com todo o resto que existe em sua volta. O milagre de Deus é a própria vida e o do homem é saber viver... E conviver.
Mas houve um dia em que João de Deus não afagou a cabeça de Milagre como fazia em todas as manhãs desde que foram apresentados. Na verdade nem se quer levantou da cama. Naquele dia João da Silva, este era o seu nome de batismo, partira para o céu de Deus e finalmente iria morar com os anjinhos bem perto do Sol, como ele mesmo costumava dizer.
O corpo do “santo” fora velado com honras de estadista, seu ultimo trajeto em cima de um caminhão do corpo de bombeiros e seu cortejo acompanhado por dezenas, talvez centenas de pessoas. E em meio a toda aquela confusão de pés e passos um olhar se destacava... Os olhos tristes de Milagre.
É irônico dizer, mas o maior milagre de João de Deus acontecera pouco após a sua morte. O último desejo de João era que seus órgãos fossem doados às pessoas e não às formigas.
E assim se fez.
Seus olhos foram para uma garotinha que se aproximava dos doze anos sem nunca antes ter se visto no espelho.
Seus pulmões para um jovem pai de família que ganharia uma nova chance de correr por verdes campos empinando pipas com seus filhos.
Seus rins foram entregues a uma senhora, seu fígado para um senhor e assim por diante...
Os meses foram passando e a rotina da cidade aos poucos voltava a sua normalidade bucólica.
Milagre adoeceu pouco depois da partida de seu melhor amigo. Todos sabiam o motivo da doença, mas qual é o remédio para a cura da saudade?
Certo dia um homem desconhecido por todos da cidade apareceu por lá. Trajava um terno muito bem alinhado e falava com propriedade e clareza. Certamente não era morador de nenhuma das cidadezinhas vizinhas. Por onde ele passava arrancava olhares curiosos que se seguiam de comentários de variados tipos.
Todos tentavam descobrir quem era o misterioso visitante. Várias versões foram contadas, de assassino profissional a artista disfarçado. Mas somente um dentre todos os habitantes da cidade sabia intimamente de quem verdadeiramente se tratava a visita.
Milagre que praticamente jazia no canto da porta de sua antiga casa ao avistar ao longe a presença do homem restabeleceu-se quase que de imediato. Pôs-se a correr com tamanho vigor que nem mesmo os outro caninos mais jovens e saudáveis conseguiram acompanhar.
O homem tocado pelo carinho do animal retribuía-o com gratos cafunés e abraços nem mesmo se importando com a atual má aparência de Milagre.
Mais tarde soubemos que aquele homem estava na cidade para uma importante missão. Retribuir de alguma forma o coração que recebera de um certo João de Deus.
Os verdadeiros amigos sempre se reconhecem!
Doe vida e viva também.
Nenhum comentário:
Postar um comentário